1/26/2006

Uma História- Filosofia Indiana

O Eu, que é livre de impurezas, da velhice e da morte, da dor, da fome e da sede, que só deseja o que se deve desejar, e resolve apenas o que deve resolver, deve ser procurado, investigado e deve ser percebido. Aquele que aprende a respeito do Eu, e o percebe, obtém todos os mundos e tudo o que deseja.
Tanto os deuses como os demônios ouviram falar dessa verdade e pensaram consigo mesmos:
- Vamos procurar esse eu e percebê-lo de forma que possamos obter todos os mundos e tudo o que desejamos.
Assim, Indra, da parte dos deuses, e Virochana, da parte dos demônios, foram até Prajapati, o famoso mestre. Durante trinta e dois anos moraram como alunos. Prajapati, então, perguntou-lhes por que haviam morado com ele por tanto tempo.
- Ouvimos dizer- replicaram- que aquele que percebe o Eu obtém todos os mundos e tudo o que deseja. Moramos aqui porque queremos aprender a respeito desse Eu.
Prajapati disse então:
Aquele que é visto dentro do olho, aquele é o Eu. Ele é imortal, sem medo, e ele é Brahman.
- Senhor - perguntaram os discípulos-, o Eu é que é visto refletido na água ou num espelho?
- O Eu é realmente visto refletido nessas coisas – foi a resposta. Prajapati acrescentou:
- Olhai para vós mesmos refletidos na água e, seja o que for que não compreendais, vinde e contai-me a respeito.
Indra e Virochana olharam para seus reflexos na água e, voltando ao sábio, disseram:
- Senhor, vimos o Eu, vimos o cabelo e as unhas.
Prajapati pediu-lhes então que vestissem as suas melhores roupas e olhassem mais uma vez dentro da água. Eles assim fizeram e, voltando ao sábio, disseram:
- Vimos o Eu, exatamente como nós, bem adornados e nas nossas melhores roupas.
Prajapati assim replicou:
- O Eu é de fato assim. O Eu é imortal e sem medo, e é Brahman.
E os discípulos se afastaram bastante satisfeitos.
Porém Prajapati, acompanhou-os com o olhar, lamentou-se assim:
- Ambos partiram sem analisar ou exercer o discernimento, e sem verdadeiramente compreender o Eu. Quem quer que siga uma doutrina falsa do Eu perecerá.
Então, Virochana, de sua parte persuadido de que havia encontrado o Eu, voltou aos demônios e começou a ensinar-lhes que somente o corpo deve ser servido, e que aquele que adora o corpo e serve ao corpo obtém ambos os mundos, este e o próximo. Tal doutrina é, realmente, a doutrina dos demônios!
Porém Indra, no seu caminho de volta para junto dos deuses, percebeu a inutilidade desse conhecimento.
- Assim como esse Eu – raciocinou ele-, parece estar bem adornado quando o corpo está adornado, bem vestido quando o corpo está bem vestido, ele estará então cego quando o corpo estiver cego, aleijado quando o corpo estiver aleijado, deformado quando o corpo estiver deformado. Quando o corpo morrer, esse Eu também morrerá! Não consigo ver qualquer bem nesse conhecimento.
Dessa forma, voltou a Prajapati e pediu-lhe mais instruções. Prajapati solicitou-lhe que morasse com ele por outros trinta e dois anos, depois dos quais lhe ensinou isto:
- Aquele que se move nos sonhos, gozando delícias sensuais e vestido com glória, esse é o Eu. Ele é imortal, sem medo, e ele é Brahman.
Satisfeito com o que havia ouvido, Indra partiu mais um vez. Porém, antes de alcançar os outros deuses, percebeu também a inutilidade desse conhecimento.
- É verdade – disse ele para si mesmo- que esse Eu não fica cego quando o corpo fica cego, nem aleijado quando o corpo está aleijado ou ferido. Porém, mesmo nos sonhos ele é consciente de muitos sofrimentos. Assim, também nessa doutrina não posso ver nenhum bem.
Desse modo, voltou a Prajapati para mais instruções. Prajapati ordenou-lhe então que ficasse com ele por outros trinta e dois anos e, após esse tempo, ensinou-lhe, dizendo:
- Quando um homem está profundamente adormecido, livre de sonhos, e num perfeito descanso – isso é o Eu. O Eu é imortal e sem medo, e ele é Brahman.
Indra foi-se embora. Porém, antes de chegar em casa, percebeu a inutilidade até desse ensinamento.
- Na realidade – pensou ele – uma pessoa não se conhece como isso ou aquilo enquanto está dormindo. A pessoa não está consciente, de fato, de qualquer existência. O estado de alguém em sono profundo é próximo do aniquilamento. Não posso ver tampouco bem nesse conhecimento.
Assim, uma vez mais, Indra voltou a Prajapati, que o fez ficar com ele por cinco anos e, após esse tempo, tornou conhecida dele a mais elevada verdade do Eu, dizendo:
Este corpo é mortal, sempre agarrado pela morte, porém dentro dele reside o Eu imortal. Esse Eu, quando associado, na nossa consciência, com o corpo, está sujeito ao prazer e à dor; e, enquanto essa associação perdura, a liberdade com relação ao prazer e à dor não pode ser encontrada por homem algum. Porém, quando essa associação cessa, também cessam o prazer e a dor.
- Erguendo-se acima da consciência física, sabendo que o Eu é distinto dos sentidos e da mente – conhecendo-o na sua verdadeira luz – a pessoa se rejubila e é livre.
Os deuses, os seres luminosos, meditam a respeito do Eu e, ao fazê-lo, obtêm todos os mundos e tudo o que desejam. Do mesmo modo, qualquer um entre os mortais que conheça o Eu, medite sobre ele, e o perceba – ele também obterá os mundos e tudo o que deseja.


Texto retirado do “Chandogya Upanishad”
Citado por Celso Loureiro em “Meditação: o caminho da paz”
Editora Record

Nenhum comentário: