Para os budistas, há dois caminhos a seguir a partir da iluminação. O primeiro consiste em entrar diretamente no Nirvana após atingir a condição búdica (iluminada), enquanto que o segundo permite que o Bodisattva ou o guerreiro que desperta adie o êxtase do Nirvana, visando permanecer próximo aos humanos ainda encarnados, auxiliando-os em sua evolução até o momento em que toda a humanidade encontrar a salvação. Os que escolhem o segundo caminho são denominados de Avalokistesvara[1].
Debruçando-nos sobre a história do budismo, percebemos a existência de inúmeros Budas Avalokistevara que, segundo a tradição, dedicam-se até hoje a amparar seus irmãos que ainda sofrem sob a Lei do Karma. Como não poderia deixar de ser, as representações desses Bodisattvas varia conforme a região e a linha do budismo. Ao que parece, um Avalokistesvara é genericamente representado como um Buda clássico (um homem sentado com as pernas cruzadas e de olhar amável) que passaria desapercebido não fossem os dois objetos distintos que apresenta em suas mãos, excluindo-se algumas variações, um rosário e um vaso delicado.
Porém, como para a maioria dos povos o sentimento de misericórdia e de compaixão geralmente está associado a atributos femininos, na China, quando se fala em Buda da Compaixão, a primeira imagem que surge é a de Kuan Shih Yin, literalmente aquela que considera, vigia e ouve as lamentações do mundo.[2] A iconografia de Kuan Yin (Quan Inn ou Guan Yin) parece ter surgido na China por volta do século III, com a introdução do budismo indiano nesse país, mas é impossível deixar de admitir que a lenda pode ser tão antiga quanto a própria história do povo. O autor Claudiney Prieto compara Kuan Yin à Grande Deusa[3], a porção feminina de Deus, que nos primórdios da humanidade povoou o céu e fertilizou a terra de nossos ancestrais.
Kuan Yin está expressa na literatura popular chinesa em poemas e hinos de louvor, assim como em cultos elaborados e orações. Seus seguidores devotos freqüentam templos locais e fazem peregrinações a templos maiores em datas festivas. Os três festivais anuais realizados em sua honra acontecem no dia 19 do segundo, do sexto e do nono mês do calendário lunar chinês (vê-se novamente a relação com a Grande Mãe, a antiga deusa da humanidade, sempre associada à lua). Segundo John Blofeld, hoje Kuan Yin é reverenciada na China, em Taiwan, no Japão, na Coréia e na Índia (aqui associada à Deusa Tara). De acordo com o país, seu nome pode variar ligeiramente, como por exemplo: Kannon, Kwannon, Kwan Se Um, Kuan Te Am Bosa, Quan’Am e Kanin.Há inúmeras controvérsias a respeito da origem devocional da deusa. Acredita-se que o monge budista Kumarajiva foi o primeiro a se referir à forma feminina de Kuan Yin em sua tradução chinesa do belo Sutra do Lótus[4], em 406 a.C. No entanto, Kuan Yin só começou a ser retratada como mulher a partir do século X, provavelmente uma tendência crescente depois da introdução do Budismo Tântrico na China do século oitavo.
Uma das lendas mais belas fala de uma princesa chinesa chamada Miao Shan que, diferente de suas duas irmãs, passava seu tempo meditando e se debruçando sobre os ensinamentos de Buda. Seu pai, o rei Miao Chung, ansiava por casar suas filhas com homens dignos, na esperança de perpetuar seu reino, porém Miao Shan se recusava a contrair matrimônio, pois sua única ambição consistia em se aprofundar nos ensinamentos budistas e ser um veículo para a cura da humanidade. Enfurecido, seu pai a enviou para um monastério imaginando que a frágil moça não agüentaria uma vida de devoção. No entanto, vendo que apenas alimentava ainda mais o desejo da filha, o rei a chamou de volta e ameaçou executá-la. Como a princesa não abria mão de sua decisão, o rei acabou por estrangulá-la. Segundo a lenda, nesse exato momento a Deusa da Terra surgiu na forma de um tigre e levou o corpo da jovem para o submundo. Chegando lá, Miao Shan começou a rezar por todos os que sofriam naquele lugar e através de suas orações transformou o submundo num paraíso de alegria. Após esse episódio a princesa voltou à vida, porém nunca pensou em se vingar da hostilidade do pai. Pelo contrário, perdoou-o e mais tarde o curou de uma enfermidade. Através de seus atos Miao Shan transformou-se em Kuan Yin, a Salvadora Compassiva, e atingiu a iluminação. Todavia, ainda preocupada com os lamentos do mundo, abdicou de sua entrada no Nirvana, jurando que só o faria no dia em que toda a humanidade se encontrasse a salvo.
A iconografia de Kuan Yin a descreve de muitas formas. Na teologia budista, ela é às vezes representada como a comandante do Barco da Salvação, guiando e protegendo as almas em sua travessia ao paraíso. Freqüentemente é representada como uma mulher esbelta vestindo um etéreo manto branco. Muitas vezes carrega um lótus branco, um rosário ou um vaso delicado, simbolizando respectivamente a pureza, a devoção e a água primordial da cura e da vida eterna. Também é retratada cruzando os mares sobre um dragão ou uma flor de lótus.
No Brasil, os devotos da Deusa da Misericórdia podem prestar-lhe tributos no Templo Quan Inn do Brasil, em Palheiros - São Paulo. Os budistas acreditam que o simples pronunciar de seu nome ou do mantra[5] dedicado a ela faz com que Kuan Yin esteja presente. Ela é a mãe amorosa que a todos atende e alenta e é a responsável por encaminhar aos céus os pedidos daqueles que sofrem sobre a terra.
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[1] Avalokitesvara ou o Senhor que olha para baixo. O atual Dalai Lama do Tibet é considerado uma reencarnação do Avalokitesvara que decidiu voltar ao mundo para auxiliar diretamente a humanidade em seu caminho rumo à iluminação. BOWKER, John. Para entender as religiões. São Paulo: Ática, 1997.
[2] BLOFELD, John. A deusa da compaixão e do amor: o culto místico de Kwan Yin. São Paulo, Ibrasa.
[3] PRIETO, Claudiney. Todas as deusas do mundo. São Paulo: Gaia, 2002.
[4] Para acessar uma parte do Sutra do Lótus traduzido para o português visite o site: http://www.vertex.com.br/vertex.com.br_non_ssl/users/san/lotus/
Debruçando-nos sobre a história do budismo, percebemos a existência de inúmeros Budas Avalokistevara que, segundo a tradição, dedicam-se até hoje a amparar seus irmãos que ainda sofrem sob a Lei do Karma. Como não poderia deixar de ser, as representações desses Bodisattvas varia conforme a região e a linha do budismo. Ao que parece, um Avalokistesvara é genericamente representado como um Buda clássico (um homem sentado com as pernas cruzadas e de olhar amável) que passaria desapercebido não fossem os dois objetos distintos que apresenta em suas mãos, excluindo-se algumas variações, um rosário e um vaso delicado.
Porém, como para a maioria dos povos o sentimento de misericórdia e de compaixão geralmente está associado a atributos femininos, na China, quando se fala em Buda da Compaixão, a primeira imagem que surge é a de Kuan Shih Yin, literalmente aquela que considera, vigia e ouve as lamentações do mundo.[2] A iconografia de Kuan Yin (Quan Inn ou Guan Yin) parece ter surgido na China por volta do século III, com a introdução do budismo indiano nesse país, mas é impossível deixar de admitir que a lenda pode ser tão antiga quanto a própria história do povo. O autor Claudiney Prieto compara Kuan Yin à Grande Deusa[3], a porção feminina de Deus, que nos primórdios da humanidade povoou o céu e fertilizou a terra de nossos ancestrais.
Kuan Yin está expressa na literatura popular chinesa em poemas e hinos de louvor, assim como em cultos elaborados e orações. Seus seguidores devotos freqüentam templos locais e fazem peregrinações a templos maiores em datas festivas. Os três festivais anuais realizados em sua honra acontecem no dia 19 do segundo, do sexto e do nono mês do calendário lunar chinês (vê-se novamente a relação com a Grande Mãe, a antiga deusa da humanidade, sempre associada à lua). Segundo John Blofeld, hoje Kuan Yin é reverenciada na China, em Taiwan, no Japão, na Coréia e na Índia (aqui associada à Deusa Tara). De acordo com o país, seu nome pode variar ligeiramente, como por exemplo: Kannon, Kwannon, Kwan Se Um, Kuan Te Am Bosa, Quan’Am e Kanin.Há inúmeras controvérsias a respeito da origem devocional da deusa. Acredita-se que o monge budista Kumarajiva foi o primeiro a se referir à forma feminina de Kuan Yin em sua tradução chinesa do belo Sutra do Lótus[4], em 406 a.C. No entanto, Kuan Yin só começou a ser retratada como mulher a partir do século X, provavelmente uma tendência crescente depois da introdução do Budismo Tântrico na China do século oitavo.
Uma das lendas mais belas fala de uma princesa chinesa chamada Miao Shan que, diferente de suas duas irmãs, passava seu tempo meditando e se debruçando sobre os ensinamentos de Buda. Seu pai, o rei Miao Chung, ansiava por casar suas filhas com homens dignos, na esperança de perpetuar seu reino, porém Miao Shan se recusava a contrair matrimônio, pois sua única ambição consistia em se aprofundar nos ensinamentos budistas e ser um veículo para a cura da humanidade. Enfurecido, seu pai a enviou para um monastério imaginando que a frágil moça não agüentaria uma vida de devoção. No entanto, vendo que apenas alimentava ainda mais o desejo da filha, o rei a chamou de volta e ameaçou executá-la. Como a princesa não abria mão de sua decisão, o rei acabou por estrangulá-la. Segundo a lenda, nesse exato momento a Deusa da Terra surgiu na forma de um tigre e levou o corpo da jovem para o submundo. Chegando lá, Miao Shan começou a rezar por todos os que sofriam naquele lugar e através de suas orações transformou o submundo num paraíso de alegria. Após esse episódio a princesa voltou à vida, porém nunca pensou em se vingar da hostilidade do pai. Pelo contrário, perdoou-o e mais tarde o curou de uma enfermidade. Através de seus atos Miao Shan transformou-se em Kuan Yin, a Salvadora Compassiva, e atingiu a iluminação. Todavia, ainda preocupada com os lamentos do mundo, abdicou de sua entrada no Nirvana, jurando que só o faria no dia em que toda a humanidade se encontrasse a salvo.
A iconografia de Kuan Yin a descreve de muitas formas. Na teologia budista, ela é às vezes representada como a comandante do Barco da Salvação, guiando e protegendo as almas em sua travessia ao paraíso. Freqüentemente é representada como uma mulher esbelta vestindo um etéreo manto branco. Muitas vezes carrega um lótus branco, um rosário ou um vaso delicado, simbolizando respectivamente a pureza, a devoção e a água primordial da cura e da vida eterna. Também é retratada cruzando os mares sobre um dragão ou uma flor de lótus.
No Brasil, os devotos da Deusa da Misericórdia podem prestar-lhe tributos no Templo Quan Inn do Brasil, em Palheiros - São Paulo. Os budistas acreditam que o simples pronunciar de seu nome ou do mantra[5] dedicado a ela faz com que Kuan Yin esteja presente. Ela é a mãe amorosa que a todos atende e alenta e é a responsável por encaminhar aos céus os pedidos daqueles que sofrem sobre a terra.
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[1] Avalokitesvara ou o Senhor que olha para baixo. O atual Dalai Lama do Tibet é considerado uma reencarnação do Avalokitesvara que decidiu voltar ao mundo para auxiliar diretamente a humanidade em seu caminho rumo à iluminação. BOWKER, John. Para entender as religiões. São Paulo: Ática, 1997.
[2] BLOFELD, John. A deusa da compaixão e do amor: o culto místico de Kwan Yin. São Paulo, Ibrasa.
[3] PRIETO, Claudiney. Todas as deusas do mundo. São Paulo: Gaia, 2002.
[4] Para acessar uma parte do Sutra do Lótus traduzido para o português visite o site: http://www.vertex.com.br/vertex.com.br_non_ssl/users/san/lotus/
[5] Mantra recitado pelos devotos de Kuan Yin, o Avalokitesvara da Compaixão: OM MANI PADME HUM (salve a jóia no coração do lótus).
_____________________PRISCILA JACEWICZ